Dengue e Ecologia Urbana: a Contextualização Epidêmica de Campinas em 97/98

Trabalho apresentado à disciplina Desenvolvimento Urbano e Administração Pública do Curso de Gestão Ambiental (CEGA 6) das Faculdades de Saúde Pública e Arquitetura e Urbanismo da USP.

Prof. responsável: Prof. Dr. Marcelo de Andrade Roméro.  São Paulo, 1998.

Agradecimentos...

Ao Coordenador da Coordenadoria de Vigilância e Saúde Ambiental da Secretaria Municipal da Saúde de Campinas, Dr. Ricardo Alves Cocolisce, pelo empenho em viabilizar todo o apoio institucional à minha participação no CEGA 6.

À Dra. Naoko, Cecília’s (Piovesan - nossa Diretora; Pettorino, nossa secretária), Deise, Afonso, Raulita..., e todos os que na Secretaria de Saúde constroem em Campinas o controle dessa epidemia e a dinâmica de seus dados.

 

RESUMO

Discute-se, do ponto de vista do desenvolvimento urbano e da administração pública, o momento vivido pela cidade de Campinas que sofreu no início de 1998 a maior introdução epidêmica de dengue de sua história, no contexto global da importante expansão dessa pandemia em novas áreas densamente habitadas do planeta.

Dengue é doença causada por arbovírus (vírus transmitido por artrópodes) do gênero Flavivírus, família Flaviridæ, sendo conhecidos quatro sorotipos: 1, 2, 3 e 4. O principal artrópode vetor é o Aedes aegypti2, admitindo-se a possibilidade de transmisssão também pelo Aedes albopictus.

Primariamente uma doença dos trópicos, mantém-se num ciclo que se amplia em fatores de risco para a forma hemorrágica, que incluem a linhagem do sorotipo do vírus infectante, a idade, o estado imunitário e a predisposição genética dos susceptíveis2.

Apresenta-se clinicamente sob as formas clássica - febre dengue (FD) e hemorrágica - febre hemorrágica do dengue (FHD). Não está ainda claro o entendimento do mecanismo de transformação das epidemias de formas clássicas em formas hemorrágicas frequentemente associadas com choque e morte em letalidade variável6.

Expandem-se a circulação dos vírus e infestação do vetor, com número crescente ano a ano de países com casos e óbitos relacionados à pandemia. O principal mosquito transmissor encontra-se em adaptação crescente com o homem e a urbanização, e por razões da sua biologia e fenômenos globais-locais, expande-se ao longo e para além do cinturão tropical do planeta.

Se de fato há aquecimento global e se isso for fator de ampliação de habitat e nicho ecológico dos vetores de doenças tropicais - o que não é uma certeza científica7,3 - no caso de dengue observa-se neste ano o primeiro comprometimento importante da história da região metropolitana de Campinas situada no limite da latitude tropical sul da Terra.

O caso da epidemia de dengue que agora chegou como que "querendo ficar" nesta faixa tropical-subtropical em que se situa Campinas ilustra bem as possibilidades de desequilíbrios antropogênicos mais ou menos globais que se tem verificado neste fim de milênio1.

Os fatores globais estariam presentes como sobredeterminantes da expansão de vetores e doenças: desmatamentos para malária, urbanização social e ambientalmente insustentável no caso do dengue, aquecimento e outros fenômenos globais para essas e outras demais doenças7, 3, 17.

As primeiras epidemias relatadas de dengue datam de 1779-1780 na Ásia, África e América do Norte; a ocorrência simultânea de surtos nos três continentes indica que esses virus e seu mosquito vetor têm ampla distribuição nos trópicos nos últimos 200 anos2.

Uma pademia de dengue iniciou-se no sudeste da Ásia após a segunda guerra mundial e se intensifica no passado recente para além desse continente. Já em 1975 dengue hemorrágico torna-se importante causa de hospitalização e morte entre crianças de vários países dessa região2.

Nos anos recentes muitos países com dengue endêmico notificaram epidemias da forma hemorrágica pela primeira vez: Ilhas Hainan - China (1985/86), Nova Delhi (1988) Tahiti e Nova Caledônia (1989) Sri Lanka (1990)6.

Apesar dos problemas de detecção no continente Africano há relatos de epidemias em Seychelles (1977), Kenya (1982), Moçambique (1985), Djibouti (1991/92), Somalia (1982/93), Arábia Saudita (1994) e Eritrea (1997); casos esporádicos de FHD foram relatados em Moçambique, Djibouti e Arábia Saudita2.

Nas Américas há uma incidência crescente de FD e FHD. A primeira grande epidemia de FHD ocorreu em Cuba em 1981 pelo vírus dengue tipo 2, com 24.000 casos de FHD, 10.000 casos de síndrome do choque da dengue (SCD) e 158 óbitos num período de 3 meses15. Várias epidemias vêm se sucedendo em diversos países, com circulação e sobreposição dos diferentes sorotipos, com destaque mais recentemente para o Brasil (Situação epidemiológica de dengue nas Américas).

Epidemias de dengue são descritas no Brasil desde 1846/48 (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, a "polca", "patuléia", febre eruptiva reumatiforme); 1851-1853 e 1916 em São Paulo com a "urucubaca", em 1923 Niterói/RJ e em 1981-1982 em Boa Vista/RR, a primeira epidemia documentada clinica e laboratorialmente, com 12.000 casos e circulação dos sorotipos 1 e 412.

Em 1986 e 1987 Rio de Janeiro, Ceará, Alagoas e Pernambuco apresentam epidemias explosivas, que ao lado de estados com menos casos como Bahia, Minas Gerais e São Paulo (Guararapes e Araçatuba, 30 e 16 casos respectivamente), perfazem um total de 47.370 e 89.394 casos respectivamente notificados nesses anos no país8.

Em 1988 e 1989 o número de notificações cai para 190 e 5334, voltando a subir em 1990 e 1991, quando extensas epidemias voltam a comprometer o Rio de Janeiro, Ceará, São Paulo, Alagoas e agora Tocantins, perfazendo um total de 40.642 e 97.209 notificações respectivamente8.

No estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e Duque de Caxias) identifica-se em 1990 a circulação do vírus dengue 2. Começa neste período o registro dos casos e óbitos por FHD no país (Rio de Janeiro 462 casos e 8 óbitos em 90/91)9.

Com 3.215 notificações em 1992 e 7.086 em 1993, volta a explodir em 1994 e não mais decresce até os dias atuais, com 56.621 notificações nesse ano, 125.574 em 1995 e dados preliminares de 1996 apontam a notificação de 180.392 ocorrências8.

Em 1996 somente Acre, Amazonas, Amapá, Santa Catarina e Rio Grande do Sul não apresentaram evidências de circulação de dengue em seus municípios, todos os demais com casos em tendência de endemização8. Nesse ano são notificados 63 casos de FHD no Rio de Janeiro e confirmados 6 casos em Pernambuco. A circulação simultânea dos vírus dengue 1 e 2 é identificada principalmente na região nordeste: Paraíba, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas e Maranhão9.

Em 1997 a transmissão se dispersa por 21 unidades federadas, com o recém incluído Distrito Federal8,9.

Comparando-se somente o primeiro trimestre, o número de casos já notificados em 1998 supera no país o número de notificações no período equivalente dos anos anteriores: 118.227 casos, para 89.826 e 59.114 nos três primeiros meses de 97 e 96 respectivamente11,8.

Dados preliminares até a 12a semana epidemiológica de 1998 confirmam a ocorrência de 6 casos de FHD em Pernambuco e 5 no Espirito Santo, sendo neste 1 óbito. Para o mesmo período o estado de São Paulo confirma laboratorialmente a ocorrência de 1.585 casos, sendo a maioria do município de Campinas.

Dengue introduziu-se de forma nitidamente epidêmica no Estado de São Paulo em novembro de 1990, inicialmente identificado no município de Ribeirão Preto mas logo configurado como epidêmico em 14 municípios vizinhos, atingindo até junho de 1991, um total de 48 municípios; contabilizou-se a ocorrência de 6.691 casos autóctones em 62 municípios nos anos de 1990 e 199117,18.

De 1992 a 1994 reduz-se o número de casos não se chegando no entanto a zerá-los, mas a epidemia volta a partir de 1995 com vigor no Estado, quando são contabilizados cerca de 5.570 casos autóctones distribuídos por 97 municípios8,17.

Para o período de 1990 a 1995, foi calculada a incidência da doença por 100.000 habitantes nos municípios do estado de São Paulo, utilizando-se a população estimada para a metade do período.


 (Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo apud17).

Observam-se nele áreas já com incidências acumuladas maiores e outras menores, num gradiente que sugere apresentar-se uma expansão com direção norte-sul/oeste-leste, com sentidos para sul e leste, confirando uma zona crítica de manutenção de casos ao norte/noroeste do Estado.

Durante esse período são registrados casos importados de dengue em Campinas em pequeno número e de forma correspondente às flutuações epidêmicas de outras localidades do estado e país, dado que é município com características próprias de grande circulação diária de não residentes, enquanto sede da região metropolitana.

Em 1996 houve pela primeira vez na história de Campinas a identificação pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica de Campinas (SVE-Campinas) da ocorrência autóctone de 2 casos nos meses de março e abril na Vila Costa e Silva (Distrito Leste), no contexto de uma maior introdução epidêmica, comprometendo municípios como Piracicaba, Americana e Santa Bárbara d’Oeste19.

Em fins de janeiro de 1997 são notificados à Direção Regional de Saúde de Campinas os primeiros casos da epidemia de dengue em Sumaré, configurando a introdução epidêmica propriamente na região metropolitana.

Em março o SVE-Campinas identifica nova introdução autóctone com 16 casos concentrados principalmente no Distrito Noroeste19. Esta introdução aparentemente silencia-se entre 23/6 a 30/11, quando se inicia a epidemia de maior vigor de sua história, com 1090 casos atingindo todo o município, principalmente a região leste, com interrupção da transmissão na penúltima semana de maio (Figura 1 e Figura 2).

Observe-se larga margem de reserva na capacidade investigativa da ampla rede de Centros de Saúde - Unidades Básicas de Saúde de Campinas ao manter vigorosos níveis de suspeição e controle focal, comparando-se o número de casos suspeitos descartados com o número de confirmados laboratorialmente (Figura 3).

Figura 3

Vários bairros foram sendo progressivamente atingidos, com o foco inicial e persistente no Parque São Quirino e Vila Nogueira do Distrito Leste (Figura 4, Tabela, Figura 5, Figura 1).

figura 4

Tabela - Número de casos confirmados de Dengue em Campinas, de dezembro de 1997 a maio de 1998.
             
Fonte: Sistema de Vigilância Epidemiológica de Campinas.

ÁREA DE COBERTURA

CASOS

 

ÁREA DE COBERTURA

CASOS

06-Jd Sta Mônica

8

 

01-Jd Conceição

213

14-V Boa Vista

2

 

04-V Costa e Silva

24

25-Jd Eulina

7

 

12-Pq São Quirino

313

27-Jd Aurélia

26

 

21-V 31 de Março

40

30-Barão Geraldo

14

 

29-Taquaral

56

31-V Pe Anchieta

16

 

32- Sousas

3

36- Jd S Marcos

2

 

38-Centro

26

44-Pq Sta Bárbara

3

 

LESTE

675

NORTE

78

     
     

5-V Perseu L Barros

9

02-V Rica

2

 

7-Integração

25

03-V Orozimbo Maia

14

 

19-Pq Valença

9

09-Jd Esmeraldina

5

 

22-Jd Florence

5

11-Pq da Figueira

9

 

34-Jd Campos Elíseos

45

16-Jd São José

19

 

35-Jd Ipaussurama

23

17-Jd São Vicente

2

 

NOROESTE

116

26-Faria Lima

18

     

28-Jd Sta Odila

18

 

10-Jd Sta Lucia

23

39-V. Ypê

53

 

13-Jd Aeroporto

5

40-Jd Parnapanema

20

 

15-Tancredo Neves

12

SUL

160

 

18-Jd Vista Alegre

1

ignorado

4

 

23-DIC I

15

     

41-Jd Itatinga

1

TOTAL Campinas

1090

 

SUDOESTE

57

 
Figura 5

Avalie-se por outro lado que possa ter havido retardo na identificação dos primeiros casos de dengue em fins do ano de 1997, mesmo com rede de Centros de Saúde sensibilizada e preparada para manter um bom sistema de vigilância, pois estava completamente mobilizada no controle de uma significativa epidemia de sarampo que perdurou por todo o inverno. Levou a um extenuante trabalho de bloqueio vacinal caso a caso, pois que configurava-se escassez relativa de vacinas contra o sarampo no país para bloqueio amplo eimediato das faixas etárias acometidas, além das de maior risco.

Pode ter havido sobreposição de quadros exantemáticos tidos como sarampo, mas que na prática já eram dengue. Estudos posteriores devem contribuir para elucidar este ponto.

Em 1998 dengue é a mais importante arbovirose a afetar o ser humano; sua ditribuição global é comparável à da malária, e é estimado que 2,5 bilhões de pessoas vivam em áreas de risco para a transmissão epidêmica. A cada ano um número estimado de 100 milhões casos de FD e 500.000 casos de FHD deve ocorrer. A letalidade da FHD na maioria dos países está em torno de 5%, sendo que a maioria dos casos fatais ocorre em crianças e adultos jovens2.

A crescente distribuição que se espalha e eleva a incidência da infecções de dengue está relacionada à distribuição do Aedes aegypti e ao aumento da densidade populacional nas mega-cidades (...)6. "Na América Latina atribui-se ao processo de urbanização caótica e acelerada, desde a década de 50, o principal responsável pela crise ecológica atual. (...) A velocidade de propagação das doenças acompanha o ritmo da globalização da economia e da degradação ambiental, de continente a continente, de país a país"17. As mudanças demográficas resultaram em significativos contingentes morando em sub-habitações com sistemas sub-adequados de abastecimento de água, comportamentos e destino do lixo ambientalmente inadequados, tudo a contribuir para a expansão do habitat urbano do mosquito vetor.

Há um nítido processo de expansão da infestação e re-infestação dos Aedes em antigas e novas áreas urbanas, ao qual se seguem os casos das epidemias descritas de FD e FHD.

O Aedes aegypti vem reafirmar sua antropofilia ontogenética ao expandir seu nicho ecológico nos grandes centros urbanos ao longo dos trópicos.

"Seu habitat está intimamente ligado às condições domiciliares e peridomiciliares de recipientes a ele ofertados pelo modo de vida das populações humanas. Sua preferência pelos depósitos artificiais de água como local de oviposição faz com que a concentração populacional advinda com a urbanização, ao largo da larga utilização de recipientes artificiais, sejam fatores determinantes na sua crescente proliferação nos centros urbanos das regiões tropicais e subtropicais do planeta. Os ovos constituem-se na principal forma de resistência do Aedes aegypti (...), o que explica a dificuldade de se eliminar ou ‘erradicar’ " a espécie (Gadelha & Toda, 1985 apud17).

A este propósito há uma abordagem oficialmente proposta que deva ser considerada em seu mérito, sustentabilidade econômica e ambiental, e factibilidade ecossistêmica13, 25,10.

Há que se questionar essa perspectiva de erradicação que aparece nos enunciados dos planos. "Erradicação de uma doença transmissível implica a extinção, por métodos artificiais, do agente etiológico em questão ou de seu vetor, sendo impossível sua reintrodução e desnecessária a manutenção de qualquer medida de prevenção. A erradicação da varíola constitui-se uma rara exceção" (LAST, 1988, apud17).

Para se poder falar em erradicação do Aedes aegypti hoje deveríamos antes reverter a tendência inercial dos grandes conglomerados urbanos em largamente propiciar sua proliferação, o que de fato não se obtém a curto prazo, mas que seria factível num progressivo processo de vigilância, monitoramento e controle dessa espécie adaptada e muito dependente de específicas configurações de determinados meios urbanos.

Ainda que a abordagem química muito bem conduzida possa ter justificativa de uso em críticos momentos epidêmicos em novas áreas de transmissão, ela não se sustentou face ao descontrole da extensa endemização de dengue que se tem verificado nesses anos recentes em vários estados e países.

E muito menos nas localidades em que se conquista e mantém-se um ativo SVE que persista na identificação e rastreamento precoce das introduções epidêmicas de dengue e outras doenças demais importantes, como ocorre hoje no município de Campinas.

Da mesma forma como na malária, a abordagem por controles químicos não soe mostrar qualquer eficiência para conter a evidente expansão de dengue no planeta. Esta concepção torpemente positivista deve ser insistentemente revisada para que dengue e inúmeras outras pragas emergentes possam vir a menos nos "surpreender" em futuros cotidianos. Os fenômenos crescentes de resistência de "seres inferiores" como bactérias, larvas e insetos podem custar o crescente número de perdas por infecção hospitalar ou outros que surpreendem nossos cotidianos.

A hegemômica tentativa de controle pela vertente química24,14 que vem sendo largamente utilizada e questionada há mais dos 20 anos2,26,5,4, deve ser hoje severamente revisada.

Tem-se observado impacto negativo por sobre o comportamento das pessoas quando recebem a fumigação ambiental e relapsam na eliminação de criadouros por acreditarem na eficácia da medida.

Pode estar havendo impacto negativo por sobre o nicho ecológico da configuração pandêmica da doença que fica instada a propiciar resistências e adaptações múltiplas de vírus e vetores.

E ainda mais porque produz impacto ocupacional-ambiental-alimentar tóxicos não devidamente mensurados, mas justificados ou "avalizados" pelos órgãos de saúde pública em sua missão de "controlar" o incômodo.

Parece ser evidente que o relativo êxito até aqui obtido com o controle de febre amarela - com o mesmo vetor Aedes aegypti - possa dever-se à alternativa do efetivo uso da vacina eficaz.

A máxima recentemente cunhada no contexto da construção da Agenda 21, a de se "pensar globalmente e agir localmente" aplica-se em plenitude na perspectiva de se modificar a ecologia urbana de forma a efetivamente se controlar as epidemias e endemia de dengue nos centros urbanos.

Desde logo em 1986 quando irrompe a epidemia de dengue no estado do Rio de Janeiro a municipalidade de Campinas já desenvolve trabalho educativo junto a comunidade no sentido de orientar a eliminação de potenciais criadouros do mosquito transmissor.

Mas foi em 1991, impulsinada pela epidemia de Ribeirão Preto, que a municipalidade organiza uma oficina de planejamento com a metodologia ZOPP ("Zielorientierte Projekplanung" - Planejamento de Projetos Orientado a Objetivos) para abordar o problema na magnitude e extensão em que ele se apresenta.

Esse primeiro projeto20 permitiu às equipes técnicas trabalharem a partir da primeira matriz, durante pelo menos ano e meio permitindo atividades e sub-atividades no sentido de influenciar a abordagem mais global e sistêmica municipal para o controle dessa endemia em torno dos seis resultados.

Primeira Matriz

Objetivo superior: saúde da população de Campinas protegida.

Objetivo do projeto: epidemia de dengue evitada ou atenuada.

Resultados esperados:

  1. Campanha de informação sobre dengue executada;
  2. campanha educativa nas escolas realizada;
  3. redução drástica no número de criadouros obtida;
  4. equipes municipais para o controle do vetor da dengue ampliadas, capacitadas e atuantes;
  5. sistema de detecção de doentes de dengue melhorado;
  6. articulação técnico-política regional no combate à dengue efetivada.

O recrudescimento global da pandemia de dengue impulsiona novas investidas contra o problema nacionalmente agravado, determinando a re-edição do projeto, que é o que se executa nos dias atuais21, 22, 23.

Com novos atores políticos e institucionais a Secretaria Municipal de Saúde de Campinas reedita o Projeto Dengue 1998-200022, 23, com as atuais matrizes de operacionalização de resultados e atividades.

Projeto Dengue Campinas 1998-2000

Objetivo superior: dengue controlada e não endemizada na região de Campinas.

Objetivo do projeto: dengue controlada e não endemizada em Campinas.

Resultados esperados:

  1. Projeto gerenciado eficazmente;
  2. infestação por Aedes controlada;
  3. vigilância epidemiológica eficaz;
  4. processo educativo desenvolvido e sistematizado;
  5. efetiva coleta e destino dos resíduos diferenciados (pneus, "bagulhos"...) criadouros potenciais do mosquito, dentro da política de resíduos urbanos melhorada.

Algumas atividades principais:

  1. Ampliar a institucionalização do projeto.
  2. Inviabilizar criadouros.
  3. Suprir todos os níveis do sistema de vigilância com os recursos necessários.
  4. Produzir materiais diversos voltados para alvos diversos.
  5. Desenvolver a matriz do "Plano de Manejo de Resíduos Sólidos Domésticos".

Plano de Manejo de Resíduos Sólidos Domésticos (RSD)

Objetivo superior: benefícios gerados para a saúde pública e ambiental de Campinas.

Objetivo do projeto: produção, utilização e finalização de RSD monitorada e mais sustentável em Campinas.

Resultados esperados:

  1. Sistema de tratamento de RSD aperfeiçoado.
  2. Sistema de coleta de RSD complementado e redirecionado.
  3. Áreas específicas para disposição e triagem de resíduos inertes da construção civil definidas e controladas.
  4. Sistema mais integrado de fiscalização ambiental implantado.
  5. Programa de Educação Ambiental integrado, participativo e contínuo, implantado.
  6. Conjunto de ações para a minimização dos RSD especiais definido.

Principais atividades definidas:

  1. Reavaliar os levantamentos de custo-benefício da tecnologia disponível para RSD.
  2. Rever o processo de licitação de coleta de lixo com todos os órgãos envolvidos para as novas contratações efetivas.
  3. Realizar a padronização das normas operativas do aterro para resíduos estável não degradável ("botas-fora").
  4. Estruturar sistema de fiscalização ambiental integrado entre secretarias municipais.
  5. Viabilizar encontro de integração de todos os projetos de Educação Ambiental.
  6. Criar grupo técnico para o estudo de soluções quanto aos resíduos RSD especiais (pneus, pilhas, etc...).

Na falta da vacina, o instrumental tradicional da saúde pública é completamente limitado e depende da pronta detecção dos casos de dengue, dado que a pressão de dispersão e ocupação do mosquito vetor não vêm sendo contidas. Se o sistema de saúde demorar para detectar os primeiros casos, as introduções epidêmicas tendem a ser maiores. Portanto é sempre importante um SVE municipal ágil e atuante.

Também não se observa grande eficácia nas intervenções químicas focais em torno do mosquito, dado que tem havido um pernicioso ciclo de produção e reposição incontrolável de criadouros e resíduos nos ambientes urbanos, caracterizado pelo comportamento humano em relação a eles, que os produz e os disponibiliza cotidianamente.

Há que se chamar a atenção para a necessidade de mudanças nos paradigmas tecnológicos desses últimos anos de combate à dengue: deixar de lado a vertente químico dependente e paternalista, para se avançar nas estratégias mais ecológicas e pró-ativas.

A re-edição desse projeto dengue em Campinas desdobra-se em resultados de médio e longo prazos que a avalanche epidêmica reduziu emergencialmente ao seu controle imediato, com os arrastões e mutirões de limpeza em amplas áreas municipais, ao tratamento larvicida focal e perifocal com inseticidas organofosforados nos bairros de maior transmissão, onde também foi aplicada a pulverização domiciliar de piretróides a ultra-baixo-volumes (UBV) com equipamentos portáteis, além da aplicação UBV em máquinas acopladas a veículos ("equipamento pesado") desses mesmos piretróides.

No entanto é com grande veemência, e baseados no real conhecimento epidemiológico da ocorrência da doença na municipalidade, da sua multifatorialidade, etc..., que as autoridades sanitárias municipais de Campinas rejeitaram as propostas intempestivas de se pulverizar ainda mais com UBV áreas intra-municipais sem transmissão de dengue, dada a convicção da ineficácia e perniciosidade da medida para com o comportamento humano e a ecologia urbana da peste ancestral.

Há uma consistente convicção de que não será a abordagem química, ainda que bioquímica ou biológica, a que propiciará impacto efetivo de controle no nicho ecológico do Aedes aegypti a transmitir FD e FHD nos centros urbanos.

Há que se insistir na eliminação de ovos, larvas, criadouros..., no reconstruir de um habitat urbano que seja inóspito a esta espécie vetora virtualmente "humanóide-dependente", o mais possível sem os tóxicos químicos emergenciais hoje até legitimados pela saúde pública, dado que têm pouco ou nenhum impacto por sobre o controle da peste, e provavelmente alto impacto nocivo no conjunto da saúde humana e ambiental.

A proposta de se avançar em municipalidades que dêem ampla sustentabilidade para os processos integradores de ampliação da gestão ambiental faz pleno sentido no contexto de Agenda 21.

Para se avançar em controle das pestes urbanas reemergentes, há que haver uma incisiva intervenção coletiva, capitaneada pelos poderes públicos, mas com apoio e ação de todos os que querem construir um desenvolvimento sustentável e cidades mais saudáveis, e incisivamente apoiada por toda a sociedade, de forma a modificar essa ecologia urbana que facilita a sua expansão1.

  1. ABRAHÃO, C. E. C.; PROVATTI, O. J. Dengue e Ecologia. Folha de São Paulo. Campinas, 01 fev. 1998. p 2. (Folha Campinas, 7o caderno, opinião).
  2. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (1998, 6 de março). Information on Dengue Fever and Dengue Hemorragic Fever. [documento da Web] URL:http://www.cdc.gov/ncidod/dvbid/dengue.htm
  3. GARDNER, G. Many climate change scientists do not agree that global warming is happening. BMJ. 316:1164, 1998.
  4. GÓMES-DANTES, H.; RAMOS-BONIFAZ, B. El riesgo de transmisión del dengue: un espacio para la estratificación. Salud Publica Mex., 37 supl:88-97, 1995.
  5. GUBLER, D. J. Aedes aegypti and Aedes aegypti-borne disease control em the 1990s: top down ou bottom up. Am. J. Trop. Med. Hyg. 40 (6): 571-78, 1989.
  6. KAUTNER, I; ROBINSON, M.J.; KUHNLE, U. Dengue virus infection: Epidemiology, pathogenesis, clinical presentation, diagnosis and prevention. J. Pedriatr. 131 (4):516-24, 1997.
  7. McMICHAEL, A. J.; HAINES, A. Global climate change: the potencial effects on health. BMJ. 315:805-809, 1997.
  8. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundação Nacional de Saúde. Centro Nacional de Epidemiologia. Série Histórica de Casos de Agravos e Doenças Infecciosas e Parasitárias - Brasil - 1980 a 1996. Informe Epidemiológico do SUS. Ano VI - n° 1 :45-6, jan/mar 1997.
  9. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundação Nacional de Saúde. Gerência Técnica de de Febre Amarela e Dengue. Situação de Dengue no Brasil.[Documento elaborado para subsídio do Curso sobre Dengue - Clínica e Terapêutica no período de 31 de julho a 2 de agosto de 1997, em Salvador, Bahia - fotocópia].
  10. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundação Nacional de Saúde. Secretaria Executiva. Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil. Instruções para Pessoal de Combate ao Vetor. Brasília, 1997.
  11. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fundação Nacional de Saúde. Secretaria 11. Executiva do Plano Diretor de Erradicação do Aedes aegypti do Brasil. Dengue: total de casos notificados por mês e por unidade federada, Brasil - 1998. [por fac-símile do DEOPE/CCDTV/GT-FAD].
  12. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual de dengue: vigilância epidemiológica e atenção ao doente. 2a ed. Brasília: DEOPE, 1996.
  13. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Plano Diretor de Erradicação do Aedes Aegypti do Brasil. Brasília, 1996.
  14. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Superintendência de Campanhas de Saúde Pública. Combate ao Aedes aegypti/Aedes albopictus: Instruções para guardas, guardas-chefes e inspetores. 5a ed. Brasília, 1987.
  15. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Dengue hemorrágico: diagnóstico, tratamento e controle. Genebra, 1987. URL's:
  16. PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION (1998, 30 de janeiro). Epidemiological Situation of Dengue in the Americas. [documento da Web] URL: http://www.paho.org/english/hcp/hctden02.htm
  17. PIGNATTI, M. G. Saúde e Ambiente: as práticas sanitárias para o controle do dengue no Estado de São Paulo (1985-1995). Campinas, 1996. [Dissertação de mestrado apresentada ao curso de pós-graduação em saúde coletiva, do Departamento de Medicina Preventiva e Social, da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Estadual de Campinas].
  18. PONTES, R. J. S. et al. Epidemia de dengue em Ribeirão Preto, SP, Brasil: nota prévia. Rev. Saúde públ. São Paulo, 25 (4):315-7, 1991.
  19. PREFEITURA DE CAMPINAS. Secretaria Municipal de Saúde. Coordenadoria de Vigilância e Saúde Ambiental. Boletim Epidemiológico. Sarampo, Doença Meningocócica, Tuberculose, Dengue. Ano VIII, nº 9, dez 97.
  20. PREFEITURA DE CAMPINAS. Atos do Poder Público. Decreto n° 10421 de 02 de maio de 1991: Dispõe sobre a Campanha de Combate à Dengue e dá outras providências. Diário Oficial do Município. Campinas, 3 mai. 1991, p. 2.
  21. PREFEITURA DE CAMPINAS. Atos do Poder Público. Decreto n° 12736 de 19 de janeiro de 1998: Dispõe sobre a normatização das atividades para o controle e não endemização da dengue no município de Campinas. Diário Oficial do Município. Campinas, 20 jan 1998, p. 1-2.
  22. PREFEITURA DE CAMPINAS. Secretaria Municipal de Saúde. Projeto Dengue 1998-2000. Relatório da Oficina de Planejamento. Campinas, 24 a 27 de novembro de 1997.
  23. PREFEITURA DE CAMPINAS. Secretaria Municipal de Saúde. Projeto Dengue 1998-2000: Resíduos Sólidos Domésticos. Relatório da Oficina de Planejamento. Campinas, 02 a 06 de março de 1998. [versão preliminar].
  24. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Superintendência de Controle de Endemias. Diretoria de Combate a Vetores. Manual de atividades para controle dos vetores de dengue e febre amarela. São Paulo, 1993.
  25. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. Superintendência de Controle de Endemias. Plano de Erradicação de Aedes aegypti: guia de instruções. São Paulo, 1997.
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