Agricultura Orgânica e Saúde

Artigo publicado no portal da Prefeitura Municipal de Campinas em setembro de 2004, disponível na página da Secretaria de Saúde daquela prefeitura.  Também disponível na Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região.
 

De 9 a 12 de setembro Campinas realizou a sua 3º semana de agricultura orgânica, em meio ao êxito de balanço nacional e internacional altamente favoráveis ao seu excelente desempenho na economia global. O negócio orgânico é altamente promissor em várias partes do planeta hoje.

Os defensores da agricultura orgânica apresentam cada vez mais fortemente a convicção de que será melhor para a natureza que nos sustenta, e, portanto, para nós mesmos, uma enorme ressalva nas práticas agrícolas hegemônicas; os agricultores orgânicos interpõem as alternativas naturais de manejo das culturas, que não são agressivas ao processo de regulação e alimentação de seres vivos, na medida em que se abstêm do uso de produtos biologicamente nocivos.

O incentivo a uma agricultura livre de fertilizantes artificiais e agrotóxicos (pesticidas, herbicidas, etc) é crescente não só no Brasil, e está ligado diretamente ao conhecimento que se amplia, dos potenciais efeitos maléficos ao equilíbrio ecológico, da abundante adição de produtos ou tecnologias no solo e nos alimentos, para o controle de pragas e aumento da produção.

Esses produtos acabam por permanecer residualmente na água e nos alimentos, e nos próprios trabalhadores rurais e demais espécies vivas, oferecendo possibilidades completamente desconhecidas de interferência na intimidade dos delicados processos de auto-regulação da vida, com efeitos não completamente dimensionados ou conhecidos. A água e os alimentos são base de sustentação da vida. Sua progressiva contaminação com substâncias químicas tóxicas poderá estar acumulando conseqüências nocivas para diversas espécies sensíveis, incluindo a humana.

Diversos autores têm discutido a questão. A velocidade de lançamento de produtos e tecnologias com potenciais impactos ambientais e sociais nocivos, em nome do conforto e das questões de mercado, nem sempre está sendo acompanhada da criteriosa adoção de medidas para a prevenção de seus eventuais efeitos nocivos ao homem e à natureza, quando isso é possível. Importante questão de saúde pública e ambiental permanece não respondida: quais seriam os efeitos de longo prazo da atuação dessa quantidade enorme e diversificada de produtos químicos e biológicos artificiais adicionados continuamente ao solo, aos alimentos, e às águas de irrigação e abastecimento público?

Não há análises contínuas que pesquisem a presença de residuais químicos e tóxicos na água que é consumida pela sociedade, pois está distante ainda da realidade a infraestrutura da rede laboratorial disponível para esse fim. Essa retaguarda deve atender também à pesquisa de presença de residuais tóxicos nos alimentos, sendo elevados os custos de todo esse processo.

Não é de fato a ciência que vem apresentando obstáculos à agricultura não orgânica mas o cidadão que em qualquer lugar do planeta já está consciente da não sustentabilidade das práticas agrícolas ainda hegemônicas. Agricultura orgânica é um bom exemplo de como o senso comum e os próprios interesses de mercado aplicam na vida o princípio da precaução: não esperam demonstração dos efeitos nocivos de uma tecnologia, aplicam a cautela já.

E a saúde pública também apresenta a preocupação com a fraude ao consumidor quando da não comprovação da origem orgânica do alimento, além de que o custo desses produtos orgânicos tem sido substancialmente maior. O processo de certificação da agricultura orgânica está paradoxalmente encarecendo-a, permitindo que o consumidor consciente, mas com poder aquisitivo, pague agora esse preço, para evitar no futuro um mal maior para si e os seus.

Os custos mais elevados da agricultura orgânica configuram um paradoxo: alimentos mais baratos porque potencialmente contaminados encarecendo os custos de longo prazo pela agressão social ambiental e desequilíbrios ecológicos daí decorrentes. Agricultura orgânica mais cara hoje protegendo de determinadas doenças aqueles que podem arcar com maior despesa alimentar. Contradição e iniqüidade de leis de mercado.