A Outra Face da Moeda

Artigo originalmente publicado no Correio Popular, na edição de 2 de agosto de 2001.
Autores:
Luiz Jacintho da Silva - Superintendente da Sucen (Superintendência de Controle de Endemias) da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, e professor titular de Doenças Transmissíveis, do Departamento de Clínica Médica da Unicamp.
Carmen Moreno Glasser - diretora do Controle de Vetores da Sucen.
Renata Caporalle Mayo - diretora da Regional Campinas da Sucen.
 

As doenças transmitídas por vetores - mosquitos, carrapatos e outros - continuam sendo um sério problema de saúde pública em todo o mundo.

A malária é responsável por cerca de 300 a 500 milhões de casos ao ano com 1,2 milhões a 2,7 milhões de óbitos. No Brasil, são mais de 600 mil casos anuais. A dengue causa de 50 a 100 milhões de casos anuais em todo o mundo, com centenas de milhares de óbitos por dengue emorrágico.

Até a metade do século 20, a única forma de controle das doenças transmitidas por vetor era através de medidas gerais de saneamento, tais como drenagem de pântanos, ou do uso substâncias de ação quimica ou física.

Foi durante a II Guerra Mundial que o uso de uma das substâncias com maior ação inseticida, o DDT, passou a ser empregado para o controle de vetores com grande sucesso. Após a guerra, o DDT e outras substâncias, passaram a ser empregadas na agricultura e em saúde pública, acessíveis inclusive para uso doméstico.

O fracaso de diversas campanhas de controle da malária se deveu a determinantes econômicos, políticos e sociais que impossibilitaram a continuação das ações. No Brasil, os programas de desenvolvimento econômico da Amazônia durante os governos militares, particularmente garimpo e mineração, foram os responsáveis pela explosão da malária no Norte e Centro-Oeste do país.

A toxicidade dos nseticidas utilizados em saúde pública é um problema? Sem dúvida, mas cabe uma análise mais aprofundada. O impacto ambiental negativo des­sas substâncias não se deve ao seu uso em saúde pública, mas na agricultura, onde se empregaram, e ainda empregam, quantidades muito maiores.

Em São Paulo no controle da dengue, os inseticidas são aplicados seletivamente. A aplicação espacial, conhecida popularmente como "fumacê", não é mais utilizada. A aplicação de inseticidas não é arbitrária, tem fundametação em dados experimentais e de campo que demonstram a interrupcão da transmissão.

O programa de erradicação do Aedes aegypti - PEAa - teve início, em São Paulo, no final de 1997, sendo que somente em meados de 1998 a maioria dos municípios paulistas executava as ações previstas. Trata-se de um trabalho de longo prazo ou provavelmente permanente. A meta final de erradicação é ilusória. O máximo que se pode almejar é o controle sustentado.

As normas técnicas iniciais previam basicamente: ações de educação e comunicação, visitas a todos os imóveis dos municípios infestados pelo mosquito e ações de vigilância sanitária.

A maioria das Secretarias Municipais de Saúde enfrentou dificuldades para implementar o trabalho da forma proposta, especialmente em relação as ações educativas e de vigilância sanitária.

A preocupação com essa situação levou a Sucen a promover discussão técnica sobre o assunto em 2000, que resultou em ajustes importantes no plano, destacando-se a eliminação da nebulização de inseticida ("fumacê") o uso deste em criadouros na ausência da transmissão de dengue. Os ajustes se fundamentam pela baixa eficácia dessas ações e pelo prejuízo da sua utilização para a consolidação de mudanças de comportamento da população, além dos problemas relacionados ao rápido surgimento de resistência do mosquito aos inseticidas empregados. Para conseguir a exclusão total do uso de inseticida, buscaram-se alternativas como sal de cozinha, desinfetantes e alvejantes.

A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo estará promovendo o "I Encontro para Avaliação e Intensificação das Ações de Controle de Dengue no Estado de São Paulo", em Campinas, durante os dias l e 2 de agosto. Um dos objetivos do evento é a redução do uso de inseticidas.

O uso de inseticidas em saúde pública apresenta riscos e efeitos adversos para o meio ambiente e para as pessoas. Este um dilema ético: o emprego de medidas visando o controle de doenças, mas que apresentam riscos. A vacinação, o uso de medicamentos profiláticos, o uso de medicamentos em animais destinados ao consumo humano todas medidas que visam proteger a saúde humana, mas que não são desprovidas de riscos. O mesmo ocorre com os inseticidas empregados para o controle de doenças trasmltidas por vetores. Impossível, porém, deixar de reconhecer que milhões de vidas foram poupadas graças ao controle da malária, da doença de Chagas e de outras doenças, graças ao uso de inseticidas.

Devemos entender que estamos num outro momento histórico, em que a preocupação com o meio ambiente e os direitos individuais influencia as políticas públicas. Os inseticidas devem ocupar um lugar diferente daquele que ocuparam em saúde pública, mas ainda não chegamos ao momento de eliminá-los totalmente, isso nos deixaria numa posição demasiadamente vulnerável à ocorrencia e disseminação das doenças transmitidas por vetor.