Febre Maculosa: Profilaxia e Desequilíbrio Ambiental
Artigo originalmente publicado no Correio Popular, na edição de 12 de julho de 2000.
|
|
Há uma sensação corrente cada vez mais nítida de que desequilíbrios ambientais propiciam certos desequilíbrios na saúde pública. Determinadas doenças aparentemente “extintas” emergem com vigor renovado, como é o caso de febre amarela, leishmaniose cutânea e febre maculosa, dengue e doença de Lyme para citar as que nitidamente comportam a variável ambiental a partir de seus vetores biológicos.
Os dados epidemiológicos apontam ampliação da área endêmica de febre maculosa na sub-bacia dos rios Atibaia, Jaguari e Camanducaia, agora com suspeita de transmissão em parque público do município de Campinas. Embora não confirmada, a hipótese é plausível. A proliferação descontrolada de reservatório (mamíferos) e vetor (carrapato) seria fator de ampliação da circulação do agente da doença (riquetsia), aumentando o seu risco para o homem.
A aproximação de pastos e matas para lazer ou trabalho é fator de risco humano já conhecido para febre maculosa e outras doenças. Mas o que se estaria observando seria novos locais passarem a ser de risco quando até então não eram.
Febre maculosa não detectada a tempo pode chegar a ser fatal. Transmitida ao homem pelo carrapato, tem reservatório em animais da fauna silvestre (capivaras e gambás) e doméstica (cães, cavalos, bois). Febre alta, dores corporais, antecedente de picadas de carrapatos ou permanência em área de transmissão conduz, dentre outras, a essa hipótese. Antibioticoterapia precoce e adequada intefere positivamente na evolução clínica da doença.
Para profissionais de saúde a orientação é de suspeitar, tratar e controlar precocemente a doença, investigando precisamente a etiologia. Vale para todas as doenças e agravos inusitados e de notificação compulsória, incluídas as demais exantemáticas, purpúricas e hemorrágicas de origem infecciosa. A febre maculosa passou a ser de notificação obrigatória na região de risco a partir de 1996.
Como não há vacina eficaz disponível para a doença, impõem-se outras medidas preventivas e profiláticas que mostram bons resultados. Ao adentrar áreas de risco, procurar usar roupas claras que protejam de forma eficiente a superfície corporal (calças e mangas compridas com aberturas vedadas) e auto-exame periódico para identificar e retirar todos os carrapatos.
O momento da retirada dos carrapatos é importante pois tanto mais precoce, completa e segura essa retirada, menor o risco de inoculação da febre maculosa. Os serviços de saúde devem estar devidamente preparados para executar esse serviço. A retirada incompleta do inseto (quando fica na pele parte do corpo do carrapato, geralmente aparelho bucal que o fixa), o risco de inoculação e proliferação dos microorganismos e infeção secundária aumentam.
Há a discussão pela vertente de controle dos carrapatos. O manejo químico sofre de limitações pela resistência natural da espécie e a impossibilidade de eficaz exposição de todas as formas evolutivas do inseto ao veneno. O resultado final pode ser nocivo do ponto de vista ecológico pela agressão a outras espécies e indução de desequilíbrios e de resistência química nos organismos sensíveis.
Quanto às capivaras sua densidade populacional estaria aumentando nos parques urbanos adjacentes às coleções hídricas da bacia hidrográfica. Há quem defenda que a proliferação esteja relacionada à severidade da legislação ambiental que proibe a caça e seu consumo alimentar, mas não se poderia deixar de aventar que o desequilíbrio ambiental também explicaria essa infestação: desalojada, a população da espécie roedora se avoluma em locais que oferecem alimento e abrigo.
Essa interpretação comportaria o entendimento de que há de fato um desequilíbrio do ecossistema a partir de ações humanas, particularmente desmatamento ciliar - a derrubada das matas de proteção dos rios, a aniquilação de predadores da espécie que passa a ser dominante, e principalmente despejo de rejeitos e lixo, que acabam servindo como alimentos.
Retirar parte das capivaras não será o mais eficiente dos mecanismos de controle, pois não se estará intervindo no seu crescimento populacional, podendo-se obter até o contrário. Disponibiliza-se mais alimento para os remanescentes, o que induz aumento da taxa de crescimento, o que por sua vez repõe mais rapidamente a população. Sem as capivaras os carrapatos, por sobreviverem por longos períodos no ambiente, vão migrar e utilizar outros transportadores, incluído o homem, disseminando e ampliando o risco da doença.
Portanto, a partir do Comitê e Consócio da Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí e ações concretas de proprietários e responsáveis legais, haveria que se fortalecer e cobrar a orientação de reflorestamento ciliar em toda a bacia como macro-estratégia de mitigação de impactos, recuparação de danos ambientais, e reequilíbrio do ecossistema devastado. Convidar poder público, Conselhos de Meio Ambiente e sociedade organizada para um trabalho concreto e sustentável de educação e mudança favorável de comportamento nos locais de acesso ao público como parques e jardins.
Haveria ainda que se recomendar esse poderoso reforço na orientação de recuperação das matas ciliares devastadas, que no meio urbano significaria habilitar e conservar parques lineares. No caso de Campinas não será demais insistir na urgência da necessidade de novas posturas quanto a resíduos urbanos, alimentação descontrolada de animais e mudança favorável de comportamento populacional nas questões de preservação ambiental, particularmente no Parque Taquaral e todas as demais áreas de acesso público que encontram-se impactadas, agora com risco de transmissão da febre maculosa.
A seguir veja a arte sobre o texto: