Sobre o Surto da NPP em Campinas

Artigo originalmente publicado no Jornal do Médico, do Sindicato dos Médicos de São Paulo, no seu número 69 da edição de junho/julho de 1997.
 

Peculiaridades do município neste caso da NPP (jargão da nutrição parenteral) podem ter determinado a repercussão nacional dos fatos ocorridos em março do corrente ano. Seria pouco provável que os que se depararam com o problema, pensassem aqui em omití-lo, fosse pelo seu seu potencial tamanho, fosse pela responsabilidade em logo controlá-lo.

Houve quem dissesse tratar-se de mais um artefato de mídia, argumentando que a mortalidade denunciada tratava-se de uma situação "normal", ao se considerar serem pessoas de risco por receberem nutrição parenteral.

Ou ainda que poderia tratar-se de mais um, entre outros tantos e frequentes surtos de infecção hospitalar que passam "desapercebidos" pelo país afora, mas que adquirira eco por ocorrer em uma região considerada mais desenvolvida.

Tais inferências decorrem de fato, da completa falta de dados e informações sobre a morbi-mortalidade relacionada a infecções hospitalares no país, incluindo Campinas. Uma política de avestruz estaria tomando conta, também neste caso, dos caminhos de penúria por que passa a construção do SUS.

Foi com pouca seriedade que se tratou recentemente o problema com os vetos em janeiro ao Projeto de Lei 1823, de iniciativa do Legislativo. Acabou sancionado como Lei Federal 9.431, de 6 de janeiro de 1997 (D.O.U. de 7 de janeiro de 1997), com vários vetos descaracterizando completamente seus objetivos iniciais.

O projeto obrigaria na prática todos os hospitais do país a fazerem de fato, de uma forma mais efetiva e transparente, todo o acompanhamento e controle das infecções hospitalares. Este é um direito do cidadão brasileiro, que lhe diz respeito como consumidor de produtos e serviços de saúde, entre eles, os do SUS.

Felizmente excetuam-se deste quadro os que, espontaneamente, e norteados pelos princípios da qualidade, já adotaram e mantêm funcionantes em suas instituições, vigilância e controle efetivos sobre as infecções hospitalares, e por sobre seus componentes e determinantes, como elemento de racionalidade técnica que conduz a processos globais mais seguros e econômicos.

Surgiram suspeitas de contaminação já antes do caso explodir na mídia. A interdição cautelar da produção ocorreu com a notificação pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da UNICAMP à Vigilância do Departamento Municipal de Saúde, de que havia forte suspeita de surto de septicemia por Enterobacter relacionado à nutrição parenteral.

A investigação epidemiológica concluiu que em pelo menos 5 dos 12 casos de óbitos ocorridos no município, encontrou-se alta probabilidade de correlação positiva entre infusão do produto e óbito, configurando-se como casos marcadores de um surto em hospitais de Campinas e região, ocasionado pela sua significativa contaminação por Enterobacter. Os estudos de biologia molecular entre as cepas isoladas em produto e sangue periférico confirmaram a identidade do agente em uma parte dos casos.

Enquanto produto medicamentoso de risco, a nutrição parenteral recebeu por parte dos órgãos de controle sanitário nesses seus já dez anos de uso rotineiro no país, a tradicional e secular abordagem cartorial, isolada e impulsionada por crises e surtos.

Foi necessário o estrondo para que se evidenciasse a necessidade de se normatizar procedimentos num dos elos críticos da cadeia de transmissão das infecções hospitalares no país. Foi apresentado ao Ministério da Saúde uma proposta de norma técnica cunhada no calor de todo esse processo, que pelo menos para Campinas, já preenche a lacuna metodológica e organizativa que havia na fiscalização sanitária de todo o processo de elaboração deste produto.

A ninguém interessa a explosão de surtos como esse de Campinas.

A divulgação de sua ocorrência deveria menos servir para constrangimentos ou disputas de mercado, e mais para que se dissemine a imperiosidade de mecanismos, práticas e condutas mais eficientes para manutenção e promoção de saúde à população do país.