Lixo, Baterias e Saúde Pública

Artigo originalmente publicado no Correio Popular em 06 de março de 1997.
 

Reconhece-se Campinas com potencial de manter-se inovando na área de saúde pela sua trajetória passada e atual. O cidadão campineiro espera atuação consistente da saúde face aos desafios que a assistência médica e a saúde pública têm por enfrentar neste contexto de crises do Sistema Único de Saúde (SUS), e de ampliação das responsabilidades e demandas pelo controle dos determinantes da falta de saúde.

Problemas de saúde relacionam-se com o mega-complexo conjunto de agressões, ao lado de agravos já efetivamente evitáveis, e de uma enorme dívida social em que a grande maioria da população brasileira não consegue bancar, sem o SUS, o preço tecnológico e de mercado das soluções disponíveis na área médico-assistencial.

A assistência traumatológica e à doença apresentam um pesado custo global para a sociedade brasileira. Essa trajetória de gastos cada vez maiores com doenças, acidentes e violências poderia atenuar-se, ou até inverter-se em alguns casos, se o planejamento e gestão voltarem-se mais e mais para a execução do trabalho de intervir e interromper determinados processos contínuos ou espirais de agressão à vida, ampliando os que visam a sua proteção.

Para a epidemiologia e saúde pública seria inverter essa tendência de se produzir e expor cada vez mais substâncias ou processos nocivos ao ambiente e às pessoas, evitando atendê-las mais tarde nas dolorosas e custosas situações decorrentes dessas origens.

A adoção de políticas sérias de controle da poluição atmosférica em grandes centros urbanos obterá impacto em diminuir, já e nos próximos anos, a incidência de doenças e mortes com origem no aparelho respiratório. Políticas de segurança no trânsito urbano e nas estradas pode controlar essa epidemia de acidentes e mortes que a sociedade brasileira vivencia hoje de forma tão marcante. Iniciativas originais em várias comunidades já demonstram a sustentabilidade econômica e os amplos benefícios sócio-ambientais da reciclagem e destinação adequada dos resíduos sólidos e perigosos.

Na questão dos resíduos urbanos particularmente, se novas soluções inovadoras puderem-se vialilizar e se sustentar, Campinas poderia ou poderá atingir o patamar das municipalidades que mais avançam em cidadania, qualidade de vida, benefícios sociais e preservação ambiental, baseando-se no paradigma da promoção de saúde.

Veja-se a questão dengue: o mosquito que a transmite não vem sendo controlado no país, não estando muito menos erradicado. De hábitos urbanos (prolifera-se já desde antes de Oswaldo Cruz), foi considerado "erradicado", e agora retoma seu destino ecológico na insalubridade das regiões em que mais essa epidemia vem por se alastrar.

É certo que descuidos, ao deixarmos existirem criadouros artificiais perfeitamente evitáveis, contribuem para o descontrole do Aedes aegypti, mas é certo também que, uma urgente, mais educada, melhor e sustentada solução para os nossos lixos em muito contribuirá para também outros benefícios à saúde pública, ambiental e urbana como um todo.

Fazemos arrastões e mutirões de limpeza e levamos os bagulhos para o aterro sanitário como medida emergencial indicada neste momento, mas a saúde pública perguntaria: até quando vamos ficar fazendo só isso?

Deste ponto de vista não seria possível continuar aceitando o enterramento de toneladas e toneladas diárias de produtos e substâncias que já tiveram altos custos ambientais em matéria prima e transformação, perder novamente em não reciclá-los, e mais ainda porque acabam por alimentar as pestes urbanas re-emergentes ao serem esparramados aqui e acolá.

A quem pode interessar essa forma já caríssima como se trabalha a produção e destino do lixo nas grandes cidades brasileiras, para tirá-lo da nossa frente, depositando-o, quando se o deposita, num aterro designado sanitário?

Essa forma agrega hoje grande custo para a sociedade, o uso de enormes extensões de terra a cada dia mais caras e finitas pagas com recursos públicos, as taxas de remoção de lixo pagas pelo cidadão que não o removem totalmente, e o que seriam os custos atuais e futuros pela agressão ao meio ambiente e à saúde pública, que não vêm sendo considerados.

Qual seria o custo global dessas extensas epidemias de dengue e das mortes por leptospirose que se ampliam pelos estados do país? E da carcinogênese de possíveis origens alimentar e ambiental?

Veja-se ainda o caso marcante e intolerável de se descartar no lixo baterias já não mais recarregáveis, como também pilhas descarregadas, e que acabam nos aterros sanitários. Trata-se de material classificado internacionalmente como perigoso, cuja produção, uso e descarte está em ampla expansão. Seus produtos de desintegração irão compor, numa concentração muito mais tóxica, os efluentes líquidos que contaminarão nossas águas por décadas e décadas a fio. Resíduos altamente tóxicos em aterros não projetados para recebê-los.

Produtores dessas baterias, que deveriam responsabilizar-se pela clara difusão da informação e pelo seu próprio recolhimento e reciclagem, simplesmente afirmam em inglês no produto, que ele "deve ser disposto de forma apropriada", e que "as facilidades da reciclagem podem não estar disponíveis em todas as áreas". Deveriam passar já a coletar de forma organizada as baterias inservíveis e dar a todas elas uma solução tecnológica e ambientalmente adequada, com usuários e poder público devidamente conscientizados colaborando decisivamente para isto.

De quem será a responsabilidade social, ambiental e econômica pela não destinação adequada de todo esse material que é produzido em nosso meio?

O quê e o quanto isso nos custará, às próximas gerações e aos próximos séculos, às nossas Bacias do Piracicaba, Capivari ou Atibaia entre outras tantas exauridas e extenuadas, agredidas com mais e mais contaminantes?

Ou ainda, quem paga os custos crescentes dos sistemas de tratamento de água e esgoto para livrar parcialmente a água - o principio da vida - de toda essa contaminação hedionda?

Na outra ponta da linha, o SUS assumindo já a sua sofrida parte.

Observação: Em 30 de junho de 1.999, o CONAMA publicou a resolução 257, que disciplina a destinação adequada de pilhas e baterias usadas.

A seguir veja a arte sobre o texto: