Telecomunicações: precaução, qualidade de vida e tecnologia

Artigo elaborado em co-autoria com Enylson Camolesi, como réplica do artigo "Antenas de celulares", publicado no Jornal "Correio Popular" de 6/11/2001, que, apesar de enviado ao mesmo jornal, não foi publicado.
Enylson Camolesi - engenheiro de telecomunicações e diretor do Departamento de Informatização da Prefeitura Municipal de Campinas.
 

Telefones celulares podem significar algo importante no dia-a-dia das pessoas, mas ao mesmo tempo usam de uma tecnologia recente, em operação no Brasil há apenas seis anos, já com mais de 25 milhões de aparelhos pessoais em funcionamento, e um número significativo de Estações Rádio-Base (ERB’s) com suas antenas, que passam a participar, da noite para o dia, da paisagem urbana e rural dos cidadãos do planeta.

Ao significativo crescimento dessas tecnologias de uso do campo eletromagnético com finalidades múltiplas, principalmente comunicação, agregam-se incertezas que dizem respeito aos efeitos das radiações emanadas por estes sistemas sobre a saúde do ser humano. Mas não só. Há reclamações sobre fenômenos de rádio-interferência nociva com outros equipamentos nas proximidades de estações, emanação de ruído contínuo pelos sistemas de refrigeração dos contêineres que abrigam os equipamentos, a agressão visual das torres de sustentação, a desvalorização de imóveis, e por esses e outros incômodos, questionamentos quanto à autorização para instalação desses equipamentos em zonas estritamente residenciais.

Os movimentos contrários à disseminação massiva e descontrolada da tecnologia em vários locais do planeta, aumentam cada vez mais porque são notórios as dúvidas e os incômodos, que se intensificam com a ampliação do uso de novos sistemas e novas bandas de freqüência.

Campinas, como municipalidade angular da globalização, tem cidadania e representatividade científica que abriram os debates e a ação pública, e que conduziram à pioneira Lei das Antenas de 1997 (Lei Municipal número 9.580), que se mostrou incompleta ou insuficiente para atender à necessária disciplina técnico-administrativa. Por isso a sua revisão, que culmina com a aprovação e promulgação da Lei Municipal número 11.024 no Diário Oficial de 10/11/2001, trabalhada de forma compartilhada e absolutamente responsável, ética e competente pelos poderes Executivo e Legislativo, comunidade científica e cidadania locais, como reflexo de um movimento, de fato, legítimo e global.

Uma caracterização apressada dessa lei como “aberração populista dos legisladores municipais” será no mínimo desconhecimento de todo o processo que a sustenta pois ela traz avanços à altura de uma cidade como Campinas, que é reconhecidamente um pólo tecnológico e educacional, e também campo de legítima participação popular.

A respeitável posição da Organização Mundial da Saúde (OMS) precisa ampliar sua legitimidade neste tema a partir de um posicionamento isento e realmente independente dos grupos que, de forma apressada, querem impor uma posição que, além de ultrapassada, distorce a verdade científica disponível.

Esses limites de exposição humana a campos eletromagnéticos que estão sendo divulgados como “oficiais”, são níveis máximos que jamais poderiam ser extrapolados, e se baseiam nos chamados efeitos térmicos das radiações não ionizantes. Efeitos térmicos, como a própria norma adotada admite, são efeitos grosseiros, que não consideram os já numerosos trabalhos que apontam para possíveis efeitos maléficos não térmicos de longo prazo, em níveis de exposição mais restritivos. Ficar repetindo de forma recalcitrante que os níveis emitidos pelas ERB’s não passam de um décimo dos níveis máximos admitidos pela OMS, no mínimo aumenta as suspeitas de que a isenção científica estaria maquilada pelos interesses econômicos.

Não seria irônico, mas sim trágico, “que boa parte das ERB’s não sejam percebidas pela população”, podendo expor pessoas a campos irradiantes de forma descontrolada, o que lhes poderia acarretar problemas de saúde em longo prazo. Esse é o balizamento que norteou a adoção por Campinas, já na lei de 1997, e após três audiências públicas realizadas pela Câmara Municipal, da manutenção de níveis mais restritivos que os da OMS.

Estamos adotando sim níveis quatro vezes mais restritivos para faixa de telefonia celular (ou seja: 100 microwatts por centímetro quadrado), como fizeram e estão fazendo países e cidadanias informados da questão, porque cabe ao poder público municipal definir de forma legítima e não nebulosa os parâmetros do cuidado que quer para seus munícipes, principalmente porque há omissão dos órgãos centrais em disciplinar a matéria de forma isenta. A nova lei vai ainda mais além, ao estabelecer que, na proximidade de locais críticos como hospitais, asilos, creches pré-escolas e escolas de ensino fundamental, não se tolere mais que três microwatts por centímetro quadrado de densidade de potência irradiante.

Campinas está se baseando no princípio da precaução: há 20 anos atrás tínhamos jogador de futebol fazendo propaganda de cigarros; hoje temos nas embalagens a advertência de que fazem mal à saúde. A precaução não é contra o desenvolvimento, só o quer de forma controlada e em benefício das gerações atuais e futuras. Veja o caso do raio X (radiação ionizante): assim que descoberto seu uso, os limites de exposição por volta de 1930, que eram de 700 miliSievert, após exposição não sabemos de quantos seres humanos, passam, a partir de 1990, a 20 miliSievert como máximo aceitável para o público em geral.

Agora, pela lei, as operadoras deverão obter a autorização dos vizinhos para instalação de antenas, e por isso terão, com certeza, que investir na transparência, o que por si só já é um ganho considerável. Deverão também, sinalizar e isolar adequadamente os locais, e garantir que os aspectos estéticos da região sejam respeitados, bem como coibidos os ruídos emitidos pelas instalações, para que estejam de acordo com as leis ambientais.

Acreditamos que Campinas, com a nova Lei das Antenas dá um passo decisivo na defesa da cidadania, abrindo espaço importante de participação popular, isso sem inviabilizar a operação dos sistemas, que não se nega a importância tecnológica, mas que se a quer com qualidade de vida.