Veneno não é remédio e pode matar

Artigo originalmente publicado no Correio Popular, na edição de 26 de julho de 2001.
Por:
Cármino Antonio de Souza - professor titular de Hematologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Tereza Carlota Pires Novaes - mestre em Química Analítica da IQUSP-SP e aposentada da Fundacentro.
 

Nós gostaríamos de deixar registrado, frente ao crescimento da epidemia de Dengue, uma colocação fundamental à preservação da saude pública que é a seguinte: não caiam no erro de intensificar o combate à dengue ampliando o já abusivo uso de inseticidas.

Inseticida é veneno e não é remédio. Porque fazemos esta colocação? Desde a implantação do PEAa (Plano de Eradicação do Aedes aegypti), muitos anos atrás, plano este baseado, fundamentalmente, em um princípio errado que é o da erradicação do mosquito, a epidemia só cresceu. Neste ano de 2001, houve um aumento expressivo de casos. A epidemia já deveria estar erradicada caso o PEAa houvesse funcionado, já que previa a erradicação até o ano 2000. É muito importante dizer ainda que mortes por Dengue são raras. Porém, mortes causadas por doenças tóxicas secundárias à exposicão química, como a Anemia Aplástica Grave, em pacientes expostos a nebulização de inseticidas no combate à Dengue, já foram registradas por nós e por outros grupos brasileiros de Hematologia.

Duas teses apresentadas em 2000, uma em Curitiba e outra em São Paulo, mostraram a freqüente relação desta grave infermidade hematológica e exposição a inseticidas. O combate ao mosquito da Dengue está baseado em três ações de alto risco para a população: 1- tratamento focal, através da colocação de Temefós na água potável (pasmem), vasos, e áreas dorniciliares como quintais, jardins etc.. Felizmente em São Paulo, a Sucen em outubro/2000 eliminou esta prática como rotina, mas que não está extinta em outros Estados; 2- Pulverização com inseticida organofosforados, como ação preventiva de pontos de maior risco da presença de mosquitos (pontos estratégicos, como oficinas, borracharias, cemitérios etc.), com bombas de aplicação manual, a cada 15/30 dias, independentemente da presença de larvas; 3- Nebulizações químicas nas ruas e domicílios (Fumacê) e nos ambientes abertos, com a utilização de Cipermetrina, inseticida piretróide de classe toxicológica II (altamente tóxico), mantendo alta atividade letal ao mosquito por mais de nove meses, impregnado em madeira.

Este inseticida apresenta ação neurotóxica, alergizante e de longo efeito residual no ambiente. Estas nebulizações são aplicadas em operações de bloqueio a partir de qualquer notificação de casos suspeitos. Como sabemos, a relação casos suspeitos/confirmádos é muito alta. Além disso, esta operação gera uma população exposta ao inseticida e pode piorar a situação dos doentes que habitam na área de nebulização.

A pergunta óbvia agora é: o que se pode fazer? Há um modelo alternativo? Talvez não sejamos as pessoas mais indicadas para dizer, mas em nossa opinião diríamos que sim.E a nosso ver seria mais biologia, mais educação sanitária e menos química.

Desta maneira, e muito sumariamente, a sugestão é: 1- incrementar a vigilência entomológica, através dos controles larvários e um extenso trabalho para detecão de focos larvários; 2- geração de mecanismos de controle dos criadouros; 3- Integração com a comunidade, gerando mudanças de hábitos domésticos e de administração pública do problema.

Como comclusão cremos que devemos enfatizar o combate e o tratarmento limpo da epidemia, e procurar não centrar o combate no uso de venenos abolindo definitivamente as nebulizações químicas.

Desta forma, estaremos dando uma extraordinária contribuiçâo à preservação do ambiente onde vivemos, particularmente das cidades, bem como reduziriamos de maneira signficativa os riscos de doenças alérgicas de vários tipos, tóxicas e até tumorais.

A sociedade como um todo deve refletir seriamente sobre este assunto. Hoje os produtores de venenos e de bomas de pulverizaçâo são os principais beneficiários da atual estratégia, e nós, população e técnicos, temos sido os "inocentes úteis" que difundem os erros e os riscos.

A seguir veja a arte sobre o texto: