Educação Ambiental só no Banco Escolar?

Artigo originalmente publicado no Correio Popular, na edição de 23 de janeiro de 1998, com título "Educação Ambiental".
 

Em recente artigo (“O fim do mundo está próximo” - Correio Popular de 26 de outubro de 1997), Rubem Alves acena que ele não precisaria ler as profecias de Nostradamus, porque “o fim do mundo, é a minha cesta de lixo que anuncia”. De fato, olhando-se do ponto de vista da saúde planetária, que incluiria a pública, seria útil imaginar-se a hipótese de que haveria uma espécie de estímulo carcinogênico se alastrando pela bio-litosfera aqui de nossos territórios, sendo gestado a partir de dejetos do desenvolvimento.

A imensa produção de resíduos no epicentro da região metropolitana emerge com os agravantes do aumento de densidade populacional às custas de carências sociais, intensificação das já altas taxas de consumo e produção, acentuadas distorções sociais e de comportamento pela crise social e extensa concentração de renda, produzindo muito do que a maioria chama de lixo, em parte espalhado de forma descontrolada, e outra parte ocupando o que provavelmente deverá ser a última grande área de Campinas para depositá-lo, o complexo Delta.

Políticos e empresários tendem a pensar no presente e a curto prazo, não dando a mínima importância para o desperdício de matéria prima e energia com a expansão do uso de embalagens e descartáveis de consumo induzido e extensivo, sem controle no país.

Alimentos e outros produtos considerados inservíveis pela maioria são possibilidade de uso ou troca a partir do garimpo por pessoas no limite da necessidade humana. Depositária de carências sociais nacionais, Campinas produz muito lixo, parte dele com valor de lucro e sobrevivência para os que o comercializam, outra grande parte sendo depositada no Delta de resíduos domésticos.

Alguns asseguram que esse aterro poderá receber resíduos por mais 10 ou 15 anos, “resolvido” assim o problema. Outros, antevendo a finitude de espaços territoriais urbanos para enterrá-lo, fantasiam com perigosas possibilidades mágicas de fogosos destruidores de lixo urbano a perturbar ainda mais os nossos já conturbados ares. Iludem-se com os incineradores para grandes volumes de lixo doméstico como solução sustentada, porque são raras as plantas de incineração ou outras equivalentes que operem bem. Quando operam bem, são caríssimas no atual contexto econômico de mercados. Produção economicamente insustentável de resíduos.

O recente episódio de perda abrupta da potabilidade da água de abastecimento público em Campinas é marcante e deve remeter aos aspectos globais das agressões ambientais. Floração de algas e mortandade recorrente de peixes a denunciar desequilíbrios...

Dizem que a causa seria o esgoto urbano que há anos não vem sendo tratado, alguns denunciando desovas intermitentes de produtos químicos industriais tóxicos ou até radioativos, outros falando das perturbações relacionadas ao uso agrícola e retorno da água com agrotóxicos e fertilizantes, outros ainda chamando a atenção para a lavagem das cidades quando caem as chuvas após as estiagens, cujas águas vão para os rios repletas de poluentes e lixo.

É marcante a contaminação ambiental de nossos corpos hídricos pelo lixo: além das toneladas de resíduos sólidos recolhidos em vários pontos, há o chorume dos lixões e dos aterros ditos sanitários, de onde podem vazar e infiltrar nos solos, atingindo nossas águas.

Estes, entre outros, seriam os componentes do “estímulo carcinogênico” que se alastra aqui pelo alto Tietê, particularmente na nossa Bacia do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, uma das mais exaurida, poluída e extenuada do país: é dela que tiramos toda a nossa água, e mais de 60% da que abastece a Grande São Paulo.

Florações descontroladadas de algas ou mortandade recorrente de peixes devem ser considerados como sinais reacionais de um distúrbio maior da biota, o que será um problema para a medicina planetária: a Terra com sinais de doença em seus territórios, infectada pelo agente humano!

A visão pragmática de poucas décadas à frente é completamente inconseqüente com a realidade temporal que sustenta a lógica da construção e manutenção da vida no planeta, e deveria passar a ser evidenciada e questionada através da educação de crianças e adultos como condição para a sustentabilidade.

Outro dia estava saindo para São Paulo e na Anhanguera de uma viatura da Polícia Rodoviária foi arremessado um resíduo descartável. Ao perceberem que eu os havia flagrado, pediram desculpas: civilidade. Era o mínimo que a autoridade tinha a fazer quando o novo Código de Trânsito instituiu multa também para isso.

De que adiantará ficar depositando só nas crianças a saída e a responsabilidade futura pelo manejo ambientalmente adequado da sociedade, quando as macropolíticas, as atuais posturas ou decisões de adultos, é que estarão sendo os determinantes de poluição, da falta de políticas sustentáveis, e maus exemplos de educação ambiental?

É preciso dizer que com alguma frequência a Defesa Civil, a CETESB, a Vigilância Sanitária, a própria Polícia Rodoviária, ou agora a Guarda Municipal serão acionados para “dar conta” de desovas de resíduos perigosos aqui ou acolá. Não são crianças que fazem isso!

Dado o princípio de responsabilidade “do berço ao túmulo” aplicado a qualquer material, produto ou seus resíduos, principalmente os perigosos e nocivos à vida, sempre haverá alguém, com algum poder administrativo, técnico, econômico ou político, como responsável direto ou indireto por agressões sociais ou ambientais decorrentes de destino inadequado das “sobras” do desenvolvimento.

Quando um cidadão, por ação ou omissão, permite ou ocasiona uma descarga de poluentes fora dos limites, que exemplo de comportamento está deixando para a sociedade, e particularmente para as crianças? Quando burla a fiscalização para que obtenha lucro e não seja molestado ao poluir, que exemplo dá? Ou quando ainda produzem-se mais e mais materiais descartáveis, vez por outra ejetados da janela de veículos, evidenciando pouco ou nenhum compromisso por parte dos que criam e usam o produto e seu resíduo, com o inadequado destino.

A torpe sofreguidão globalizante, além de consumir florestas e outras riquezas vitais de uma forma não sustentada, está produzindo descontroladamente indigestos processos- excrementos que dificultam a autorregulação da Terra-Mãe (Gaia) em sua missão maior de manter a vida e a de seus filhos.

Se as autoridades de governos que editam leis e medidas para a sustentabilidade da economia realmente estivessem preocupadas com a questão ambiental no Brasil, deveriam estar mais cientes do que está acontecendo. Como política interna de salvaguarda, sobrevivência e sustentabilidade, deveríamos terem já criadas e atuantes as políticas econômicas que coloquem o meio ambiente e a saúde pública - no sentido da sua promoção - como prioridades absolutas em respeito à dignidade da nação brasileira.

Não nos arremessar nesta vala negra do desenvolvimento insustentável, em completa subserviência aos voluptuosos e mesquinhos interesses da economia globalizada. Passar a aplicar já e de fato no Brasil o princípio dos “3 R”, o reuso e reciclagem de resíduos e redução na produção, como políticas de governo, se querem dar um mínimo de decência ao trato da cidadania brasileira, enfrentando o “nhenhenhém” dos que, com a cantilena de abrir frentes de emprego, conseguem mais hegemonia e ampliação de seus mercados, num tipo de des-economia que desemboca na concentração de renda e num imenso passivo econômico - diga-se, dívidas social e ambiental do país.

De nada adiantará empurrar a educação ambiental para as escolas, quando as políticas no plano da realidade não estão dando sustentabilidade social e ambiental ao desenvolvimento. Que se interrompa o discurso ufanista de riqueza da nação brasileira para justificar a continuidade e intensificação dessas agressões e espoliação, tentando amortecer ou encurralar consciências!

Os princípios e conhecimentos trazidos pela educação ambiental deveriam ser mais efetivamente aplicados pelos adultos detentores de poder político e econômico no dia-a-dia de decisões e empreendimentos, como atitude exemplar e corretiva dos processos degradadores já instalados ou a se prevenir de instalar, com evidentes benefícios para a atual e futura saúde humana e planetária.

Políticas públicas ambientalmente adequadas, como um amplo e consistente programa de manejo de resíduos urbanos e industriais, otimizando reuso, reciclagens e compostagem, poderão conduzir nossas populações a ajudarem mais e mais no que lhes pode caber. Acredito que a grande maioria das pessoas quer o bem para o futuro da humanidade, e deste ponto de vista, está apta a adotar práticas de preservação da vida, principalmente se bons exemplos “vierem de cima”.

A seguir veja a arte sobre o texto: