Resíduos e Comportamento

Artigo originalmente publicado no Correio Popular, na edição de 10 de março de 1993.
 

Excremento é uma palavra que pouco se usa, apesar de o produzirmos todos os dias. Merda, dejeto, excreta, rejeito, esgoto, lixo, resíduo, escória; adubo, esterco, matéria orgânica, produtos a reciclar, enterrar ou esconder... Alguns excrementos parecem ter papel a contribuir de alguma forma na manutenção da vida: estercos de vacas, cavalos, galinhas, entre outros. Determinados resíduos humanos em contrapartida estão a ameaçá-la.

A sociedade humana produz muitos resíduos hoje, que vão pelas águas, pelo solo, pelos ares e para o espaço. Somam-se às toneladas de fezes que uma população de 5 bilhões de seres humanos depositam diariamente no planeta.

Alguns são classificados como perigosos. Fezes, por exemplo, apesar de não assumidas na prática das políticas ambientais e de saneamento, têm periculosidade porque notoriamente são causas de doenças, epidemias e mortes. Resíduos mortais.

Hoje às voltas com vários tipos, e parece haver em muitos de nós um comportamento ancestral de esconder ou negar sua existência e produção cotidianas; naturalmente que não entre aqueles que convivem no "garimpo de escória" como forma de sobreviver.

Preocupa os meios científicos neste momento a possibilidade de ondas eletromagnéticas que se produzem largamente ao derredor de populações abastadas, estarem contribuindo para a gênese dos cânceres. Sim, mas resíduos tóxicos os encontramos por toda parte também. Então, o que mais haverá de preocupar ao se manter o rumo atual do chamado desenvolvimento sustentável? O quanto e o que mais a devastar e destruir?

Algo parece fortemente indicar que a necessidade de se tratar de outra forma a intensa produção/transformação de materiais está associada à preservação do Planeta e da vida humana na terra. Inúmeras são as proposituras.

Comportamentos míticos nos impulsionam a queimar colchões de aidéticos, coléricos e tais. Resposta primitiva ao desconhecimento que a ameaça com a "peste".

Incinerar tudo o que saia de um hospital é uma atitude correlata que traz em si a fantasia de se estar evitando a transmissão de terríveis doenças. Será possível que estas medidas, por exemplo, estejam realmente interferindo no controle de infeções e trazendo proteção à população contra as incríveis e dizimadoras epidemias de infecção hospitalar?

Alguns seres humanos vivos estão sendo considerados como excretas na sociedade. Abordagem fortemente proposta é a de eliminar-se sumariamente o incômodo também neste caso.

Queimar, matar, fazer desaparecer; trucidar, linchar.

Alternativa imediata ao alcance das mãos, prática. desejando-se simplesmente eliminar do horizonte sensível e cercanias, aquilo que incomoda, que é estorvo.

Gatos escolhem locais para depositar e cobrem suas fezes, mas não as escondem de fato, põem de volta na terra para serem recicladas.

Possível ilusão querer eliminar resíduos de qualquer jeito: desaparecem aqui para reaparecerem acolá, de outra forma, com outra força, com nova configuração a surpreender.

Aterros "sanitários", por exemplo, são um limite em si: além de "dividirem espaço" com as populações que urgem em suas necessidades de morar e viver, produzem tóxicos abundantes intensivamente deletérios para a natureza, incluindo o homem. Isqueiros descartáveis, plásticos, isopores e outros materiais perenes aparecendo nos mares árticos e antárticos, flutuando...

Matar seres humanos só tende a carregar mais, de forma negativa, o karma da humanidade.

Matar e transformar em cadáver, resíduo do espaço/tempo que ocupou forma de vida, para que a mãe natureza neste caso depure com sua competência e sabedoria, mesmo não tendo sido ela a determinadora do seu fim corpóreo. Manejar cadáveres faz parte do projeto do "bios" na natureza.

Mais complexo para nós e para ela a depuração das escórias do crescimento econômico das sociedades "evoluídas".

Se a morte é inexorável, que valha a ordem de relaxar com os carnavais e usufruir os natais, consumindo, consumindo e descartando em qualquer canto o que sobrar, Seria isso mesmo?

Nas excitações de festividades, ou nas revoltas e invejas dos ódios cotidianos, observam-se os comportamentos irracionais de agredir e depredar através dos lixos e excretas, na satisfação de algo que nem sempre se reconhece bem o que é.

Atavismo arquetípicos de imperfeições ancestrais.

Preocupa aquele que faz mesmo com os resíduos de sua produção de larga escala, ou qualquer um de nós na destinação dos nossos lixos de cada dia.

Urgentemente cuidar melhor dos nossos lixos.

O poder público tem o dever de propor e executar planos e projetos consistentes para as cidades e o campo, para o equacionamento do grave problema. Deve apresentar às pessoas esta dimensão do direito à cidadania no contexto da manutenção da vida no Planeta, em benefício dos que estão vindo, para que cada um possa cumprir com a sua parte.

A sociedade brasileira tem o dever de ter uma posição conseqüente nesta era que se inicia, em relação a toda pena de morte.

Propor-se reciclar os espíritos com a valorização de seres humanos vivos, "produzi-los" em muito melhores condições, evitar-se dizimá-los, evitar a crueldade.

A seguir veja a arte sobre o texto: